Elevação dos atuais R$ 1.302 para R$ 1.320, como prometido logo após as eleições, só tem R$ 6,8 bi reservados na PEC
Fonte: Idiana Tomazelli
Jornal Folha de São Paulo
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)recebeu um alerta de que a elevação do salário mínimo dos atuais R$
1.302 para R$ 1.320, como prometido logo após as eleições, pode ter um custo de R$ 7,7 bilhões acima do previsto no Orçamento de
2023 —mais que o dobro do valor calculado inicialmente.
O ofício foi enviado à transição em dezembro pela equipe do então ministro Paulo
Guedes (Economia), com base em cálculos feitos pelo corpo técnico da SOF (Secretaria de Orçamento Federal) —estrutura
permanente do Poder Executivo e composta por servidores de carreira.
O aviso significa, na prática, que o novo governo pode precisar fazer um bloqueio
nas demais despesas para conseguir remanejar recursos e bancar o aumento adicional do piso, uma das principais bandeiras de campanha
do petista.
O bloqueio seria necessário porque a regra do teto de
gastos, embora tenha mudanças já previstas, ainda está em vigor e precisa ser respeitada pelo governo na execução orçamentária.
Segundo interlocutores ouvidos pela Folha, a equipe econômica avalia alternativas para minimizar esse impacto, como a possibilidade de implementar o aumento do salário mínimo ao longo do ano —durante as discussões de campanha, chegou-se a cogitar a elevação em 1º de maio, Dia do Trabalho. Cada mês adicional sem o novo reajuste significa menor alta nas despesas.
O governo também deve levar em conta se alguma outra despesa terá redução na
projeção para o ano e o número de atendidos pela Previdência. As despesas com
benefícios do INSS são impactadas pelo valor do salário mínimo.
Por isso, a avaliação é que é preciso primeiro ter clareza sobre os números para então tomar uma decisão final sobre o tema.
Até agora, Lula não deu indicativos de quando pretende editar a MP (medida provisória) que fixará o novo mínimo.
A última medida, que instituiu o valor de R$ 1.302, foi assinada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) nas últimas
semanas de seu mandato.
O alerta foi enviado ao então coordenador da transição, vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), mas também chegou às mãos de integrantes da equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). A
SOF, por sua vez, é ligada ao Ministério do Planejamento e Orçamento,
comandado por Simone Tebet (MDB).
Procurada, a Fazenda não respondeu até a publicação deste texto.
No Planejamento, a estrutura ainda não foi finalizada, e a ministra só deve se
manifestar sobre assuntos da pasta a partir da semana que vem.
Antes mesmo de assumir, a equipe de Lula negociou com o Congresso uma PEC
(proposta de emenda à Constituição) para autorizar uma ampliação dos gastos em
2023, com o objetivo de manter políticas públicas em funcionamento e assegurar o
pagamento mínimo de R$ 600 para beneficiários do Auxílio Brasil.
No bojo da PEC, foi reservado um adicional de R$ 6,8 bilhões para ampliar o
salário mínimo a até R$ 1.320. A equipe da SOF estima que o impacto já estava
subestimado em R$ 216 milhões, caso consideradas as mesmas premissas e sem
serem levados em conta outros fatores de aumento.
O maior problema, porém, é que alguns fatores impulsionaram os gastos
vinculados ao salário mínimo na reta final de 2022. O principal deles foi a redução da fila do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que permitiu maior número de concessões de aposentadorias e pensões.
Como parte da fila ainda persiste, os técnicos também assumiram um cenário de
maior crescimento vegetativo da folha (a ampliação no número dos beneficiários
considerando a diferença entre quem entra e quem sai) para 2023, tanto na
Previdência quanto no BPC (Benefício Prestação Continuada), pago a idosos e
pessoas com deficiência de baixa renda.
Esses dois fatores —aumento da base de beneficiários e perspectiva de crescimento maior da folha— gerariam uma fatura adicional de R$ 14,9 bilhões, segundo os cálculos da SOF.
Por outro lado, a desaceleração da inflação no fim de 2022 atenuou parte desse impacto.
O Orçamento considerou uma alta de 7,41% no INPC (Índice Nacional de
Preços ao Consumidor), índice de correção do salário mínimo e das
aposentadorias, mas a projeção atualizada é de 5,81%. Na prática, é como se
houvesse uma economia de R$ 7,37 bilhões.
O saldo final dessa combinação de efeitos é o impacto de R$ 7,7 bilhões.
A avaliação de interlocutores do novo governo é que algumas premissas adotadas
pela SOF estão muito conservadoras, como a perspectiva de um crescimento
vegetativo de 2,24% na folha da Previdência e de 5,78% na do BPC.
Segundo o ofício, esses percentuais levam em consideração o “nível mais recente observado” nas concessões de benefícios, diante da redução da fila.
No entanto, a análise dos técnicos é de que não necessariamente a continuidade da redução da fila do INSS levará a um aumento de pagamentos na mesma magnitude que o observado em 2022. Por isso há a tentativa de uma análise mais aprofundada dos números.
O valor futuro do piso tornou-se um dos pontos de embate entre as campanhas,
sobretudo após a Folha revelar os planos de Guedes para afrouxar a correção
obrigatória do salário mínimo pela inflação abrindo a porta para uma
redução do poder de compra real dos trabalhadores.